Rodas de conversa entre educação e psicanálise

Alice Lewkowicz
 Psic. Joyce Goldstein
 

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A parceria entre a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) e a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED),  iniciou-se em 2006, a partir de uma iniciativa da então Secretária de Educação no sentido de disponibilizar um espaço para aquisição de conhecimentos a respeito do desenvolvimento infantil, do ponto de vista psicanalítico, aos educadores ligados às Instituições de Educação Infantil Conveniadas com a Prefeitura de Porto Alegre. 

Ao ser acolhido pela Diretoria da SPPA, aquele movimento da SMED impulsionou a criação de uma parceria interinstitucional constituída por profissionais específicos, que, passaram a investir parte de seu tempo para programar ações, implementá-las e reavaliá-las continuamente. Sob uma estrutura de co-coordenação, na qual tanto a SMED como a SPPA determinaram seus representantes, criou-se uma parceria formal sem um ente jurídico correspondente. Mudam os profissionais, mas mantem-se uma mesma sistemática e estrutura de trabalho, que possui: 

a)    Como filosofia desenvolver conhecimento aplicável à prática do educador, a partir de um esforço interdisciplinar e interinstitucional;
b)    Como objetivo principal ajudar no aperfeiçoamento formativo dos educadores;
c)    Como ações prioritárias oferecer espaços de escuta e de trabalho compartilhado entre educadores, assessores da SMED e psicanalistas da SPPA.

A reedição de cursos de natureza informativa, avaliados positivamente por todos envolvidos, criava tanto inquietações, como desejo de ampliar o projeto. Do ponto de vista dos psicanalistas essa interlocução com os educadores despertou dúvidas importantes: qual o alcance desse trabalho, que procura levar conhecimento psicanalítico sobre o desenvolvimento infantil? Ele possui efetivo caráter preventivo? Realizar esses cursos, onde a partir de demandas oriundas da curiosidade e necessidades dos educadores, e nos quais se trabalhava com conhecimentos, tais como a noção do inconsciente, a presença de mecanismos psicológicos de defesa, os quais permeiam a ação pedagógica em sala de aula, constitui-se efetivamente em uma nova ferramenta que auxilia o educador? 

Após as aulas expositivas abria-se um tempo para se conversar sobre os tópicos expostos. A repetição desse modelo evidenciou que aquele espaço interativo havia se tornado o momento mais importante dos encontros, e era através deste que o conhecimento psicanalítico se mostrava efetivamente útil para os educadores. Em consequência, decide-se pela ampliação das conversas e opta-se pela   utilização das “Rodas de Conversa”, onde os participantes, em igualdade, fossem educadores, psicanalistas ou assessores da SMED, a partir de suas próprias experiências e conhecimentos, se colocavam a pensar sobre a vida cotidiana na escola infantil. Importante destacar que estes questionamentos só foram possíveis em função do clima dos pequenos grupos de discussão. Foi nestes grupos, no calor das interações emocionais entre educadores e psicanalistas, e entre os próprios psicanalistas, onde percebeu-se que a transmissão de nossas teorias sobre o desenvolvimento infantil era insuficiente e até inadequada. A demanda era de outra ordem. Consideramos importante ressaltar a participação de todos os sujeitos envolvidos no processo nesta mudança de enfoque. Muitos dos educadores moram em  áreas de alta vulnerabilidade social da periferia de Porto Alegre e carregam um potencial traumático em função de suas vivências e condições. Vivem num ambiente extremamente violento. Através das Rodas de Conversa se oferece a possibilidade da fala e da escuta de suas vivências. 

Ao se materializar as Rodas de Conversa SMED-SPPA, entendeu-se que estava se criando uma metodologia formativa entre educação e psicanálise capaz de contribuir para os processos de formação continuada de todos os seus participantes, sejam eles psicanalistas, assessores ou educadores. 

Nas Rodas de Conversa:
  1. Define-se o tema e o seu conjunto de subtemas (que nos últimos anos tem sido sobre violência, que ocorre endemicamente no Brasil), que serão o objeto de trabalho, em cada um dos sete encontros, já que o oitavo, e último, objetiva avaliar e integrar os conhecimentos produzidos durante todo o processo; essa definição do tema geral e seus subtemas acontece em reuniões preliminares;  
  2. Em cada um dos sete primeiros encontros escolhe-se um educador que, em poucos minutos, descreve uma situação concreta vivida na escola, ilustrativa do subtema. A seguir, um assessor e um psicanalista, ainda no grande grupo, fazem breves comentários sobre a situação relatada. Considera-se esse momento introdutório como o estímulo para o trabalho em pequenos grupos;
  3. A conversa continua, já em pequenos grupos, em livre associação, com um  assessor e dois psicanalistas (sempre os mesmos, durante todos os encontros) atuando com educadores em cada pequeno grupo. Trabalha-se na SPPA, durante oito encontros semanais, com duração de duas horas cada um, sendo que utiliza-se trinta minutos no grande grupo para a realização do estímulo e os noventa minutos restantes para a conversa em livre associação e sob a coordenação de dois psicanalistas;
  4. Entende-se que é no conjunto das experiências vivenciais de construção compartilhada de conhecimento, que basicamente resultam em estruturas psíquicas subjetivas (competências) de cada um, conjunto este pertencente a função-memória-cognitiva de seus participantes, onde basicamente se materializa os resultados para os participantes desse processo de Rodas de Conversa SMED-SPPA.  
Em 2016 constituiu-se um Grupo de Pesquisa interinstitucional e interdisciplinar com objetivo de estudar o trabalho realizado com grupos durante as Rodas de Conversa. Nossa hipótese de pesquisa é que essa experiência grupal de reflexão compartilhada, sistemática, estruturada e processual, aumenta a resiliência dos educadores frente ao desamparo potencialmente traumático gerado pela não compreensão que certas situações provocam no sujeito educador em seu exercício profissional. Como decorrência, imagina-se que essa intervenção, que talvez desenvolva competências aos seus participantes, possa ter, também, valor como elemento de prevenção para a saúde mental das crianças atendidas pelos educadores participantes das Rodas de Conversa na rede escolar municipal. Em 2018 esse Projeto de Pesquisa recebeu uma bolsa oferecida pela IPA. Ao longo desses anos o trabalho efetuado pela parceria SMED – SPPA atendeu mais de 500 educadores, conjunto que possui uma abrangência de mais de 5.000 crianças.

Coordenador Projeto de Pesquisa SMED/SPPA:
Carlos Augusto Ferrari Filho
 

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